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A reforma trabalhista realmente terminou com as horas extras in itinere (de deslocamento)?

A reforma trabalhista trouxe diversas alterações para o direito do trabalho, tanto para o direito material, quanto para o direito processual. Em relação ao direito material, destaca-se que houve uma alteração específica no §2º do  artigo 58 da CLT que, na teoria, colocou fim ao pagamento de horas extras in itinere

Veja-se o que constava na antiga redação do dispositivo legal em comento:

§ 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

Por sua vez, ao interpretar este artigo, o TST, através da Súmula 90, pacificou o entendimento em relação as horas in itinere aduzindo que:

HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO
I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho

Em outras palavras, o entendimento é de que, quando o empregado fornece o transporte e o local seja de difícil acesso e/ou não servido por transporte público, as horas de deslocamento serão consideradas como horas extras.

No entanto, conforme dito, houve alteração no §2º do artigo 58 da CLT, fato que, na teoria, teria encerrado com o pagamento das horas in itinere. Vejamos o que diz a nova redação do referido artigo:

§ 2º  O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

Veja-se que, em uma rápida leitura da nova redação, teríamos o entendimento de que as horas in itinere não existem mais, na medida em que não há qualquer exceção prevista neste dispositivo. Contudo, importante mencionar que as referidas horas já não eram computadas na jornada de trabalho do trabalhador, salvo se o local de trabalho fosse de difícil acesso e/ou não servido por transporte público e, por evidente, o transporte ser fornecido pelo empregador.

Assim, a nova norma em nada menciona se as horas de deslocamento seriam ou não computadas se a empresa estiver em um local de difícil acesso e/ou não servida por transporte público, sendo omissa neste ponto e não excluindo concretamente esta possibilidade.

Neste aspecto, retomando-se o entendimento já amplamente consolidado no TST através da Súmula 90, temos que não houve qualquer alteração nos casos em que a empresa fornece transporte e encontra-se em local de difícil acesso e/ou não servido por transporte público. Neste ponto, repisa-se que a nova redação do §2º do artigo 58 não excluiu expressamente está situação.

Em outro vértice, importante observar o enunciado de nº 16 aprovado no dia 04 de maio de 2018 na 2ª Jornada de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, evento promovida pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), no qual destaca que nos casos em que o transporte é condição e/ou necessidade irrefutável para o trabalho, tendo em vista o local ser de difícil acesso e/ou não servido por transporte público, devem ser computadas as horas de trajeto.

HORAS DE TRAJETO: HIPÓTESES DE CÔMPUTO NA JORNADA APÓS A LEI 13.467/2017
1. A ESTRUTURA NORMATIVA MATRIZ DO ART. 4º DA CLT CONTEMPLA A LÓGICA DO TEMPO À DISPOSIÇÃO, NÃO ELIMINADA A CONDIÇÃO DE CÔMPUTO QUANDO SE VERIFICAR CONCRETAMENTE QUE O TRANSPORTE ERA CONDIÇÃO E/OU NECESSIDADE IRREFUTÁVEL, E NÃO DE ESCOLHA PRÓPRIA DO EMPREGADO, PARA POSSIBILITAR O TRABALHO NO HORÁRIO E LOCAL DESIGNADOS PELO EMPREGADOR, MANTENDO-SE O PARÂMETRO DESENVOLVIDO PELA SÚMULA 90 DO TST, CASO EM QUE FARÁ JUS O TRABALHADOR À CONTAGEM, COMO TEMPO DE TRABALHO, DO TEMPO DE DESLOCAMENTO GASTO EM TRECHO DE DIFÍCIL ACESSO OU SEM TRANSPORTE PÚBLICO POR MEIO FORNECIDO PELO EMPREGADOR, NA IDA OU RETORNO PARA O TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 3º, C, DA CONVENÇÃO 155 DA OIT. 2. INAPLICABILIDADE DO §2º DO ART. 58 DA LEI 13.467/2017 AO TRABALHO EXECUTADO NA ATIVIDADE RURAL.

Dessa forma, considerando que a reforma trabalhista não houve a expressa exclusão dos locais de difícil acesso e/ou não servidos por transporte público, bem como que ainda vigora o entendimento já consolidado no TST através da Súmula 90, entende-se que as horas in itinere, nestes casos, são devidas mesmo após a reforma trabalhista nos casos previstas naquela súmula.