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Produto parado em assistência técnica autoriza consumidor a exigir a troca ou ressarcimento do valor pago

A garantia dos bens duráveis à luz do código de defesa do consumidor - CDC

Falar sobre garantia ganha relevância na medida em que a experiência dos consumidores em geral demonstra que, não raro, alguns produtos, tais como eletrodomésticos e eletro portáteis, vem programados para durarem determinado tempo, como se viessem de fábrica com uma vida útil pré-determinada.

Custos quase irreais para conserto e manutenção destes produtos, obrigam os consumidores a considerar a aquisição de novos exemplares, em especial quando se trata de item essencial para vida da pessoa e/ou da família. Diante disso, alguns fornecedores prometem garantia além daquela mínima prevista em lei, como forma de seduzir o consumidor e alavancar a venda dos produtos que oferecem.

Atentas às necessidades dos consumidores, algumas seguradoras passaram a oferecer seguro de garantia estendida, que nada mais é que a extensão da garantia do fabricante do produto adquirido. Este seguro é, em regra, vendido conjuntamente com o bem segurado, e somente pode ser utilizado a partir dia seguinte ao final da garantia oferecida pelo fabricante.

Produtos considerados bens duráveis, como geladeiras, televisores e celulares, geralmente vêm acompanhados da garantia do fabricante. Não sendo o caso, incide a garantia legal – da qual nenhum fornecedor pode se eximir – que é de 90 dias (art. 26, inc. II CDC).

Importante que se tenha em mente que tanto a garantia oferecida pelo fabricante, como aquela ofertada pela seguradora, ambas devem possuir regras claras e de simples compreensão, com especial cuidado às hipóteses de perda da garantia e exclusões de cobertura, que devem ser ostensivamente destacadas para conhecimento e ciência do consumidor.

Procedimento para utilização da garantia

Quando o produto apresenta algum tipo de vício, é necessário que o consumidor proceda conforme o certificado de garantia ou manual do seguro, que deve acompanhar o bem. Neste documento deverá haver indicação de assistência técnica autorizada para consertar o bem.

Alguns fabricantes simplesmente disponibilizam a lista de locais aptos a receber os produtos, cabendo ao consumidor levar o bem para conserto. Outros fornecedores, em especial as seguradoras, disponibilizam um canal o qual o cliente deve contatar a fim de obter uma senha que autorizará o conserto do produto defeituoso em determinado local.

É muito importante que o consumidor tenha em mãos a nota fiscal de compra da mercadoria e guarde todos os protocolos de comunicação do pedido de conserto ou aviso de sinistro, bem como o recibo da entrega ou envio do produto à assistência técnica.

Problemas comumente enfrentados pelos consumidores

Adquirir um bem que venha a apresentar algum tipo de defeito é mais comum do que se imagina. Trata-se de algo até esperado. Tanto é verdade, que as pessoas, antevendo essa possibilidade, adquirem seguro de garantia estendida, para maximizar o tempo de uso do produto que adquiriu e evitar, assim, o perecimento precoce de um bem que muitas vezes sequer foi quitado integralmente.

O esperado de uma garantia é a possibilidade de, excetuando-se as hipóteses de perda da garantia ou exclusão da cobertura, se obter o conserto do produto, ou a troca deste por outro igual ou de melhor qualidade. Contudo, a realidade evidencia um cenário de dificuldades e, não raro, verdadeiras violações aos direitos dos consumidores perpetrados por empresas.

Entre uma infinidade de exemplos possíveis, destaca-se o que se considera mais comum: a desídia do fabricante ou da seguradora em proceder no conserto. Alegações tais como falta de peças e atraso da transportadora não eximem o fabricante do dever de cumprir o prazo de legal de 30 dias imposto pela lei para sanar o problema (art. 18, §1º CDC).

Se o fornecedor não resolver o problema dentro do prazo legal, pode o consumidor exigir a restituição do valor pago à vista ou a substituição do produto por outro em perfeitas condições de uso. A recusa dos fornecedores em respeitar esta regra vem gerando uma grande demanda de ações que visam a reparação dos prejuízos que os consumidores experimentam.

Qual a vantagem de ingressar na justiça?

Um dos grandes problemas do nosso país hoje em dia é o conformismo das pessoas em relação aos problemas cotidianos. Geralmente se leva em conta apenas o fator do esforço e tempo gasto para reaver algo que imaginam custar menos que a “dor de cabeça”.

Ocorre que a passividade das pessoas, na verdade, incentiva os fornecedores a continuarem agindo de forma ilegal. Muito frequentemente os consumidores se deparam com produtos de qualidade inferior ao prometido, vendidos com a promessa de uma garantia que no fim se mostra inútil, o que acaba por fomentar o lucro de empresas que insistem em desrespeitar os direitos dos cidadãos de boa-fé.

Dito isso, é importante salientar que os 30 dias que o fornecedor tem para solucionar o problema incide tanto no período da garantia legal, como na garantia do fabricante (complementar à garantia legal) e na garantia estendida eventualmente adquirida.

Nessa esteira, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é pacífica no entendimento de que o prazo dos 30 dias começa a contar da entrega do produto na assistência técnica (feita diretamente pelo consumidor), ou da data do envio do bem (geralmente pelos Correios) à assistência autorizada.

De outra ponta, importante destacar, é cediço na jurisprudência que o fornecedor pode se escusar do descumprimento do prazo legal se comprovar que tal fato se deu por culpa exclusiva do consumidor. Exemplo disso é o fornecedor demonstrar que tentou devolver o produto consertado para o cliente dentro do prazo, através de comprovantes de transportadora ou recibo de tentativa de entrega pelos Correios, comprovando que o fez conforme as informações (de endereço) prestadas pelo próprio consumidor.

Se o problema levado ao Judiciário ocorreu durante a vigência da garantia do fabricante, e o produto foi adquirido com seguro de garantia estendida, o valor pago pelo prêmio do seguro deverá ser restituído. A justificativa é simples. O contrato de seguro apenas entraria em vigor ao final do termino do seguro do fabricante.

No caso, ocorrendo a troca do produto ou a restituição do valor do bem (tanto pela via administrativa, como na via judicial), o objeto do contrato de seguro deixa de existir, cancelando o contrato. O objeto do contrato é o produto em si, individualizado por um número de série próprio, que ao ser substituído por outro, exemplifica-se, deverá ser objeto de novo contrato. A retenção deste valor representaria enriquecimento ilícito da companhia seguradora, que pode ensejar uma ação judicial.

A questão é que ao ingressar na justiça buscando seus direitos, o consumidor estará, antes de tudo, dando um recado ao fornecedor e à sociedade em geral, que não se conforma com os abusos contra ele perpetrados. Com efeito, alcançará para si a reposição do produto por outro de mesma qualidade ou, alternativamente, o ressarcimento do preço pago à vista, corrigido monetariamente desde a data do desembolso, mais juros a partir da citação, sem prejuízo a eventual indenização por dano moral, que será devida conforme o caso concreto.

Dano moral

O dano moral é muito discutido quando se trata deste tipo de problema. Alguns juízes entendem que é cabível a indenização pela simples frustração do consumidor em não poder usufruir do produto, enquanto que outros julgam improcedente este tipo de pedido pela justificativa de que a situação não passa de mero dissabor do cotidiano.

O certo é que a indenização por danos morais decorrentes de vício no produto passa muito pela questão do quanto essencial é o bem para pessoa, bem como o quanto o fornecedor desrespeitou a lei. Atribui-se, quanto a esta última hipótese, o caráter pedagógico que, em tese, possui uma condenação ao pagamento de indenização por danos morais. É como se o judiciário, provocado pelo consumidor, dissesse ao fornecedor que não mais haja daquela maneira, sob pena de ter que pagar por isso.

Qual justiça escolher?

O meio mais fácil, rápido e eficaz de acesso à justiça nestas situações é, certamente, o Juizado Especial Cível. Primeiro porque não há custas no primeiro grau. O segundo, e mais importante, é o fato de que os JECs, em geral, estão acostumados a julgar problemas decorrentes das relações de consumo. Geralmente os fornecedores são conhecidos dos juízes, e na medida em que estes já conhecem a forma abusiva como alguns deles agem, isso certamente representa vantagem ao consumidor.

Outra questão a ser considerada, é possibilidade de conciliação. Geralmente ela ocorre por iniciativa do fornecedor, fabricante ou seguradora que, antevendo uma possível perda no processo, faz uma proposta (normalmente em dinheiro) para encerrar o processo. Isso significa que o consumidor pode ver seu problema resolvido antes mesmo da sentença judicial.

Conclusão

Problemas decorrentes das relações de consumo são muito frequentes, quiçá esperados, tanto é que o legislador dedicou um código inteiro para tratar do assunto. O Código de Defesa do Consumidor é uma ferramenta poderosíssima em favor dos cidadãos e a sua efetivação é um direito o qual deve ser perseguido a todo custo. Na outra ponta espera-se, idealmente, que as empresas respeitem os direitos dos consumidores e adotem boas práticas na relação com estes.

Exigir dos fornecedores a efetiva entrega daquilo que prometem é um direito inarredável de todas as pessoas, especialmente pelo preço que se paga pela garantia. No caso da garantia estendida o custo é obvio, pois é contratada com o pagamento de um valor fixo a título de prêmio. Já na garantia do fabricante, este custo está embutido no preço do produto. Assim, embora seja difícil de mensurar, o fato é que ele existe.

A conclusão que se tira de todo o exposto, é que o cidadão, ao buscar seus direitos, terá a chance de reparar o prejuízo sofrido ao mesmo tempo em que se impõe e protesta contra aqueles que insistem em abusar dos consumidores. Como reflexo dessa atitude, estará incentivando as empresas a agirem de forma correta e, assim, colaborará com a sociedade como um todo.