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Dr. Ramiro Castro publica artigo: A moralidade seletiva: e a sonegação fiscal? No Sul 21

Dr. Ramiro Castro publica artigo: A moralidade seletiva: e a sonegação fiscal? No Sul 21

Ramiro Castro (*)

Muito tem-se falado no país nos últimos anos sobre os malefícios da corrupção. A chaga não é nova, verdade seja dita. Há quem diga que veio junto dos portugueses nas caravelas. O prejuízo aos cofres públicos anualmente de fato é grande, estimado em bilhões de reais ano [1]. No entanto, cabe tecer duas considerações sobre isso. A primeira, é que não há corruptos, políticos ou gestores, sem corruptores. E o setor privado, e não o Estado, é o foco de maior corrupção e os que mais se locupletam em detrimento do bem comum. Mas a segunda – e mais importante – é que a corrupção está longe de ser o maior funil das contas públicas Brasileiras. Mais importante do que mudanças no Código Penal e processual Penal e a criminalização do Caixa 2, como propõe o Dr. Moro em seu já antológico pacote “anticrime” ( Seja lá o que for uma legislação pró-crime), devíamos prestar atenção é na Lei 8137/90 e coibir aqueles que mais cometem crimes contra a Ordem Tributária, que estudos estimam custar anualmente ao país mais que o dobro do que o evadido pela corrupção.

É necessário um amplo debate no país sobre o combate efetivo à evasão e a sonegação fiscal. É fundamental que coibir uma cultura impregnada no país, estimulada pela impunidade, de que sonegar não é crime, Ora, há até aqueles, que a celebram como “Legítima defesa”, incluindo neste time o Sr. Presidente da República, que depois vem reclamar do déficit. Lembremos ainda que o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ele próprio está envolto em denúncias sobre acobertamento, pressão de grupos econômicos e corrupção em seus processos administrativos, conforme apurado pela Operação Zelotes.

A pena hoje é de 2 a 5 anos de prisão, quase nunca aplicada, e que não permite condenação em regime fechado de réu primário. Ademais, é extinta a punibilidade com o pagamento do tributo. Assim, aquele que furta 100 reais ou um pão para comer vai preso, mas aquele que sonega 100 milhões, que comete fraude tributária, manda a “bufunfa” toda para fora em offshores e paraísos fiscais pra não pagar nada, fica livre!

Então o cenário que temos hoje no Brasil é desalentador tendo em vista que há um leque bastante amplo de mecanismos para que se evitar a tributação, bem como furos na legislação que impedem a busca deste patrimônio, e por fim, uma legislação branda demasiadamente com as pessoas ricas que sonegam e enviam seu dinheiro para fora. Cabe aqui ressaltar ainda que proporcionalmente, tais fortunas já são pouco tributadas (sendo o Brasil, junto da Islândia, dos poucos países do mundo que ainda mantêm os lucros e dividendos isentos).

Quando eventualmente notificado e/ou denunciado, paga o valor, quiçá uma multinha (que inclusive tem a possibilidade de adiar o pagamento com eternos processos administrativos), extinguindo-se a punibilidade. O ilícito torna-se lícito. Ainda tem acesso ao REFIS (De 2000 para cá já foram 39, e custaram aos cofres públicos cerca de 50 bilhões) [2], renegociação e perdão/anistia.

A classe média e o mais pobres neste país não possuem a mesmas possibilidades de sonegar e evadir seus recursos financeiros, pois graças a nosso sistema tributário injusto e regressivo, tributa-se salário, consumo e produção, e nestes o imposto já é retido no contracheque, como o Imposto de Renda, e no caso dos produtos consumíveis e serviços, os tributos são indiretos e embutidos no preço cobrado ao consumidor. Já o limbo dos ativos financeiros, pessoas jurídicas e lucros e dividendos isentos, os milionários levam suas rendas para longe o Brasil, e pagam Imposto de Renda sobre pro labore diminutos na mesma proporção que um assalariado: 27,5%, alíquota máxima.

Neste cenário, O PL 423/2017 [3] no Senado Federal, proposto a partir da CPI da Previdência presidida pelo Senador Paulo Paim, deve ser uma grande bandeira da esquerda no debate sobre reforma e ajuste. Combater a sonegação dos muitos ricos e dos empregadores ao INSS é fundamental. E demonstra que a esquerda tem seriedade sobre a coisa pública, não é pauta só da direita. Além de acabar com a possibilidade de extinguir a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária pelo mero pagamento dos tributos devidos, eleva a pena máxima do crime para 12 anos, o que permite a prisão em regime fechado mesmo se réu primário.

Conforme a exposição de motivos do referido projeto de Lei “A falta de punição para quem comete crimes tributários não apenas privilegia os infratores, que não se sentem intimidados a não praticar os delitos, mas acaba por incentivar a prática de tais condutas pelos demais concorrentes. A sonegação, portanto, se revela uma atividade comercial de risco calculado, pois o pior cenário que o criminoso pode esperar é o do pagamento dos tributos e multas devidos, sendo certa a impunidade.” Este, combinado com o PLS 425/2017 [4], que trata sobre restrições para os o acesso aos benefícios contidos nos artigos 151 e 182 do CTN, e que dão o embasamento legal para os festivais de anistias tributárias que causam rombos na previdência e nas receitas públicas, são soluções no campo das receitas para o déficit público, uma vez que além dos REFIS constantes, o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) e o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) assinados pelo então presidente Temer custará aos cofres públicos numa estimativa conservadora outros 50 bilhões, em especial detrimento da Previdência. A JBS apenas, envolta em escândalos recentes, declarou dever ao fisco 2,4 bi.[5]

Um sistema tributário progressivo  e eficiente deve combinar mecanismos informatizados de fiscalização e cruzamento de dados com políticas de transparência e busca sobre ativos no exterior, com punição severa a evasão e sonegação fiscal e impostos inteligentes sobre o patrimônio líquido [6], heranças, pessoas jurídicas e seus lucros e dividendos. É o caso da Colômbia [7] que combinou uma forte fiscalização e política de transparência sobre o 0,1 % mais abastado a partir da divulgação dos Panama Papers com a criminalização da evasão fiscal com penas de até 9 anos, o que contribuiu para desnudar a chamada “Hidden Wealth” dos multimilionários colombianos em índices jamais alcançados anteriormente.

Segundo estudo do Professor Gabriel Zucman, o topo da Pirâmide, os 0,01% dos mais ricos sonegam 25% dos impostos devidos escondendo ativos e renda de investimentos no exterior. São capazes de fazer isso porque eles têm acesso a vasta gama de serviços de dissimulação de riqueza, e pouco estímulo para não fazê-lo, pois temos no país uma verdadeira indústria da sonegação fiscal! Um debate real sobre o financiamento do Estado no Brasil tem que passar não por uma reforma da previdência que enfraquece o RGPS e ameaça o LOAS,o BPC e demais auxílios, mas sim pelas reformas tributária, fiscal e bancária.

Portanto, um verdadeiro e efetivo pacote legislativo a fim de combater crimes no país deve levar em conta a principal (junto da dívida pública, mas isso já é outra história) vilã de nossas receitas, ou seja, a evasão e sonegação fiscal, combinada com a parca e ineficaz taxação regressiva no país e os sucessivos festivais de abatimentos tributários. Caixa 2 eleitoral não faz cócegas perto do Caixa 2 das empresas e da elite econômica e financeira do país.

Fonte: https://goo.gl/v83bjW